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quinta-feira, 28 de junho de 2012

A PONTE PARA O SEMPRE!


                      
      A PONTE PARA O SEMPRE!


Ontem à tarde um homem das cidades falava à porta da estalagem.
 Falava comigo também. Falava da justiça e da luta para haver justiça e dos operários que sofrem e do trabalho constante, e dos que têm fome, e dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos e sorriu com agrado, julgando que eu sentia o ódio que ele sentia, e a compaixão que ele dizia que sentia. (Mas eu mal o estava ouvindo.).
 Que me importam a mim os homens e o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
 Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.  Era no que estava pensando quando o amigo de gente falava (E isso me comoveu até às lágrimas).
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos.
 A esse entardecer não parecia os sinos duma capela pequenina a que fossem à missa as flores e os regatos, e as almas simples como a minha. (Louvado seja Deus que não sou bom, e tenho o egoísmo natural das flores e dos rios que seguem o seu caminho, preocupados sem o saber, só com florir e ir correndo).
 É essa a única missão no Mundo, essa — existir claramente, e saber fazê-lo sem pensar nisso.
 E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e ama?
FERNANDO PESSOA

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