A PONTE PARA O SEMPRE!
Ontem
à tarde um homem das cidades falava à porta da estalagem.
Falava comigo também. Falava da justiça e da
luta para haver justiça e dos operários que sofrem e do trabalho constante, e
dos que têm fome, e dos ricos, que só têm costas para isso.
E,
olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos e sorriu com agrado, julgando que
eu sentia o ódio que ele sentia, e a compaixão que ele dizia que sentia. (Mas
eu mal o estava ouvindo.).
Que me importam a mim os homens e o que sofrem
ou supõem que sofrem?
Sejam
como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns
com os outros, quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A
nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer
mais é perder isto, e ser infeliz. Era no
que estava pensando quando o amigo de gente falava (E isso me comoveu até às
lágrimas).
Era
em como o murmúrio longínquo dos chocalhos.
A esse entardecer não parecia os sinos duma
capela pequenina a que fossem à missa as flores e os regatos, e as almas
simples como a minha. (Louvado seja Deus que não sou bom, e tenho o egoísmo
natural das flores e dos rios que seguem o seu caminho, preocupados sem o
saber, só com florir e ir correndo).
É essa a única missão no Mundo, essa — existir
claramente, e saber fazê-lo sem pensar nisso.
E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas
que tem com o poente quem odeia e ama?
FERNANDO
PESSOA
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