O COLÉGIO DA FRATERNIDADE!
Muitos dos leitores já ouviram falar de um ilustrador
britânico, William Heath-Robinson (1872-1944), que desenhava projetos
de máquinas inacreditáveis com eixos, rodas, botões e alavancas e de outras que
pressupostamente fariam limpeza e muitas outras tarefas. A ilustração aqui
apresentada poderia ser tomada como sendo uma das invenções de Heath-Robinson.
Ela aparece com o título Colégio da Fraternidade numa publicação de Daniel
Mogling, também chamado Theophilias Schweighart, intitulada Speculum
Sophicum Rhodo-stauroticum. Ela foi desenhada, e talvez mesmo publicada, por
volta de 1604, dez anos antes do Fama Fraternitatis, normalmente considerado
como o primeiro livro anunciador da presença dos Rosacruzes.
Este manifesto também é citado como a primeira
publicação indubitavelmente Rosacruz. Todavia, ele não surgiu subitamente do
nada. As ideias que nele encontramos são fundadas em bases sólidas. Os escritos
de Mogling mostram claramente sua convicção Rosacruz. Além de seus escritos,
encontramos indícios visuais suficientes e evidentes em nossa ilustração para
mostrar seus laços com o Rosacrucianismo. Trata-se em particular da rosa e da
cruz que se encontram dos lados da porta desse castelo móvel. Schweighart
aconselha aqueles que buscam a senda Rosacruz dizendo que sejam pacientes e que
perseverem, como as pombas de Noé, que vemos alçando voo da arca, à esquerda no
fundo da imagem, e que coloquem suas esperanças em Deus e em suas preces. Para
começar, vejamos o simbolismo do castelo, antes de nos dedicarmos a certos
elementos que o rodeiam nessa ilustração.
Os castelos são o símbolo quase universal do refúgio
interior – de um local onde a alma se comunica intimamente com Deus, com o
Absoluto ou, segundo os Rosacruzes, com o Cósmico. Ao lado de seus túmulos
piramidais, os faraós ordenavam a construção de templos funerários a que
chamavam de “palácios para milhões de anos”. Assim como os túmulos reais, eles
eram destinados a durar eternamente, a fim de ligar o destino da obra humana à
dos Deuses. Nestes “palácios”, os pais do rei finado podiam cultuá-lo e
comemorar eternamente sua existência, comungando com todos os deuses
necessários e fazendo-lhes oferendas. Nos salmos da Bíblia, um castelo, ou
cidade fortificada, é utilizado como metáfora da própria Divindade. Isso leva a
metáfora a outro plano. Ao invés de ser simplesmente um lugar onde é possível
comungar com a Divindade, o castelo torna-se efetivamente o próprio Deus. O
Mestre Eckhart diz, em um de seus sermões: “Existe na alma um castelo no qual
nem o próprio olhar de Deus pode penetrar”. E ele prossegue explicando que isto
se deve ao fato de que se trata do castelo de pura Unidade. Nos pensamentos
judaico e cristão, e ainda em outros mais, o castelo representava a calma imóvel
no cerne da natureza humana. No tratado taoísta O Mistério da Flor de
Ouro, é dito que devemos fortificar e defender o Castelo Primitivo que é a casa
de Hsing, ou seja, do Espírito.
Os castelos são habitualmente construídos como
lugares fortificados no cume de colinas, onde eram mais eficientemente
protegidos. Assim como as casas, eles evocam um sentimento muito forte de
proteção e de segurança. No entanto, seu posicionamento os torna isolados e
longínquos, o que, dada a sua inacessibilidade, os torna ainda mais
atraentes. De fato, parece que uma parte da natureza humana consiste em
desejar aquilo que é inatingível. Nas pinturas, a Jerusalém Celeste é
representada como um castelo com torres e ameias localizado no alto de um pico
de uma montanha. Ainda que de difícil acesso, uma vez tendo-o alcançado, o
peregrino lá encontra segurança e proteção. O Rosacrucianismo, simbolizado pelo
colégio fraternal, ensina, entre outras coisas, como entrar em comunhão com as
influências cósmicas. Essa parte interior de si, a qual é acessada durante a
meditação e a contemplação e que conduz à comunhão com o Cósmico, também é
remota e de difícil acesso. Porém, uma vez alcançada, todas as contingências
exteriores se desvanecem e pode-se então repousar conscientemente na proteção
do Cósmico até o retorno ao estado que precedia a meditação.
Na ilustração de Schweighart, observamos que esse
castelo tem certos laços com a Divindade. A palavra hebraica “Yahweh”,
ou “Ieschouah”, está inscrita no céu, indicada como o Leste, acima de nosso
castelo, assim como os escudos dos quatro defensores posicionados em cada uma
das ameias dos quatro ângulos. Fato notável é que esses defensores não estão
armados com espadas, mas com folhas de palma, que lembram a entrada do Cristo
em Jerusalém, anunciada pelas mesmas palmas.
Simbolicamente, somos levados a compreender que a
existência provém do Cósmico e que esse dom é tão importante para cada
um individualmente quando foi a entrada de Jesus na Cidade Santa para a
população cristã. A Cidade Modelo, símbolo dos ideais utópicos, pode ser
percebida pelas janelas do castelo, onde um irmão procura no globo o lugar de
sua última existência humana. Um braço que se projeta de um dos ângulos com uma
espada na mão indica que toda luta para atingir a realização não se produz pela
entrada no castelo. Quando se progride na Senda, devesse estar sempre em
guarda, a fim de se evitar certas emboscadas. Ainda que essas armadilhas não
sejam numeradas, é claro que deve haver um elo com um “poço de falsa opinião”,
pois a espada o domina. Como é muito difícil ser sincero para consigo mesmo e
para com seus próprios ideais, é provavelmente isto que é sugerido aqui.
A inspiração cósmica brilha sobre um peregrino, no
canto inferior direito da ilustração. Sua espada e seu chapéu repousam no
solo, próximos à bolsa contendo seus paramentos e seus sapatos. As inscrições em
latim indicam que ele declara ser ignorante mas que roga ao Pai que o ilumine.
Mas por que ele traz uma âncora nas mãos, já que não tem nenhum barco ou uma
grande extensão d’água em vista? A âncora, último recurso dos marinheiros num
mar revolto, tornou-se mais ou menos o símbolo da esperança.
Como ela segura o barco, indica a firmeza e a fé
infalível. Ela simboliza a ideia de que é possível pôr fim a uma vida muito turbulenta
ancorando-se firmemente na fonte da vida: o Cósmico. Querer acelerar o processo
de vida e aprendizado é um erro, como mostra a figura que se precipita da
falésia acima de nosso peregrino. Esse buscador lançou-se imprudentemente na
Senda e não se apercebeu de que ela terminava num precipício. Na vereda rumo ao
cume pode-se ler em latim: “festina lente”, ou seja, “aja sem precipitação”, um
adágio frequentemente ilustrado por um delfim enrolado em uma âncora, que pode
ser considerada então como um símbolo duplo, encorajando a esperança e a
prudência.
Um objeto estranho semelhante a uma grua retira um
buscador do “poço das conjeturas”, à esquerda. Ele é removido das trevas que o
rodeavam e trazido para a luz do dia. Aqueles que já estão na fortaleza, escondidos
da vista dos outros, o ajudam a se elevar e lhe dão a oportunidade de descobrir
a verdade no interior do castelo. Com a ajuda do Colégio da Fraternidade, ele
será então capaz de distinguir as verdades universais das falsas superstições.
Ele simboliza o Conhecimento a ser obtido ao entrar no Colégio da
Fraternidade e a expansão da compreensão decorrentes do ingresso. Assim como
lembra a mão de Deus que vemos dos céus sustentar o castelo, esse Conhecimento
vem, em última análise, do Cósmico.
*O Frater Peter
Bindon é Grande Mestre Emérito da Jurisdição de Língua Inglesa para a Ásia
e a Oceania.
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