AO NOSSO REDOR...!
Olhemos
para todos ao nosso redor e vejamos o que temos feito de nós e a isso
considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não
temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos
amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que não tenha sido
catalogada.
Temos
construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois tememos que as catedrais
que nós mesmos construímos, sejam armadilhas.
Não nos temos entregado a nós mesmos, pois
isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos
evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga:
TENS MEDO!
Temos
organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos
envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra AMOR, para não termos de reconhecer a sua contextura
de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para
tornar a nossa vida possível.
Muitos de nós fazemos arte por não saber como
é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa
indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos
disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no
que realmente importa.
Falar
no que realmente importa é considerada uma gafe.
Não
temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos
falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não
rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui
tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos
sorrido em público mais do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos
temido um ao outro, acima de tudo.
E a
tudo isso consideramos a nossa vitória
de cada dia.
Reflitamos
bem...!
Clarice
Lispector
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