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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

AS DUAS CANÇÕES DO HOMEM...




As Duas Canções do Homem...

Os sons secretos da cítara indiana.
 Confesso que compreender a beleza do todo, permeada pela poesia vestida em considerações oportunas, comprometidas com a felicidade do ser humano, não é fácil!
Bom lembrar, a quem não sabe,  que a cítara é composta de duas camadas de cordas superpostas, uma sobre a outra, muito próximas, sem nunca se tocarem. A camada de cima é sensibilizada pelo músico, e a de baixo não pode nunca ser tocada pelos dedos.
Quem pouco entende dos segredos sonoros pode perguntar-se por que razão um instrumento musical tem cordas que não são tocadas.
A beleza desse mistério está justamente na harmonia que enlaça as duas camadas. Os dedos não tocam a de baixo para que suas cordas possam vibrar pela magia de uma coisa muito mais sutil que os dedos. Tangidas pelos sons que brotam das primeiras, elas reverberam e fazem nascer uma  outra música, diversa daquela que o artista produziu.
Eis o segredo. Eis a sensibilidade. Olhemos agora para nós. Quem sabe sejamos cítaras humanas, que vivem dentro de um encanto chamado vida, provocado pelo carinho criador de Deus; lá dentro, no fundo de nossa essência, estão as segundas cordas de uma única verdade, que os dedos nunca tocam, mas que fazem ouvir uma  outra voz, a vibrar pelos escaninhos do silêncio... Vem de lá uma canção imortal, jamais tocada, mas que, se ouvida, pode dizer muito de nós.
Talvez seja esta a melodia diferente que alguns podem ouvir. Aqueles que lêem com amor o não-dito  das palavras humanas, separando a mentira da verdade, o joio do trigo, e escolhendo o bem.
Talvez seja essa música oculta, a melhor definição de amizade. Afinal, o que um amigo faz senão educar-se para escutar nosso silêncio, que às vezes busca um abraço, um momento de atenção para aplacar sua melancolia?
Um amigo é também algo mais. É aquele que faz do seu sossego um recanto confiável, onde o outro pode guardar seus segredos e não ter medo de perdê-los. Um amigo é aquele  onde nossa segunda pauta encontra eco, porque sabe que no âmbito da amizade, a solidão é um convite ao recolhimento, para que sejamos ouvidos, para que possamos reverberar.
Nos braços de um amigo, nossa solidão se dilui no suave aroma da partilha.
Você, a quem muitos consideram verdadeiro irmão, pode treinar os ouvidos do sentimento para escutar uma nova melodia. Preste, porém, menos atenção no que as pessoas irão tocar e mais nos sons daquelas cordas que nunca serão tangidas.
Aproveite, também para apreciar a beleza da música que brota de todo lugar.
 Aí escutará a segunda canção de Deus, convidando-o a que habite uma realidade nova: a de ser, finalmente, um bom e melhor amigo, que com muito amor, aprendeu a chamar os outros para fora da solidão.
( Carlos Augusto Abranches, 1993, na Revista Reformador )

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