A Ordem Rosacruz: Uma
Escola de Liberdade
Por
PIERRE GRÉGOIRE
Tendo
certo número de questões lhe sido um dia feitas a respeito do funcionamento da
AMORC e sobre a filosofia rosacruz, Serge Toussaint, Grande Mestre da
Jurisdição de Língua Francesa, concluiu a entrevista resumindo sua concepção
com as seguintes palavras: A Ordem Rosacruz é
uma Escola de liberdade… O que poderiam representar essas palavras?
No
decorrer da reflexão, elas pareciam ter um grande alcance sobre a razão de ser
da Ordem Rosacruz e o sentido do processo que é proposto ao buscador. Este
artigo visa partilhar essas reflexões a respeito da liberdade e se inicia,
portanto, com um convite a se considerar como os ensinamentos rosacruzes
ensinaram ao místico a exercer sua liberdade.
Examinemos
inicialmente essa expressão que qualifica a AMORC como uma escola de liberdade.
A noção de escola remete à de aprendizado. Uma escola é uma instituição onde se
adquire uma instrução ao se desenvolver competências através de um ensinamento
graduado. A matéria ensinada aqui em questão é a liberdade. Esse ponto de vista
pode inicialmente suscitar assombro: seria a liberdade o fruto de um
aprendizado? Somos livres pelo próprio fato de nossa condição humana ou devemos
adquirir essa liberdade? Alguns talvez pensarão que a liberdade é algo que não
tolera bem os meios-termos: ou se é livre, ou não se é…
No
espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Declaração
Rosacruz dos Deveres do Homem é clara a esse respeito e
estipula, no artigo 3º, que todo indivíduo tem o dever de respeitar o outro sem
distinção de raça, de sexo, de religião, de classe social ou de qualquer outro
elemento aparentemente distintivo, implicando que toda pessoa é titular das
liberdades fundamentais, como a liberdade de consciência, de religião, de
opinião, de expressão, de reunião pacífica e de associação. Existe, portanto,
um consenso, ao menos nas sociedades democráticas, quanto ao fato de a
liberdade estar ligada à condição humana.
A
apreciação do Grande Mestre revela um paradoxo aparente: se somos livres por
direito natural, por que deveríamos aprender a liberdade? A resposta a esta
pergunta reside sem dúvida no uso que fazemos dela ou nas condições que devemos
estabelecer para tornar efetivo esse potencial de liberdade. Mas o que é
exatamente a liberdade? O ser humano é verdadeiramente livre ou no fundo não é
mais que um escravo dos diversos condicionamentos que interiorizou? Ele pode
exercer de verdade aquilo a que chamamos o “livre-arbítrio”?
A busca
pela liberdade se confunde com as origens do pensamento filosófico. Desde a
Antiguidade muitos filósofos se dedicaram a essas questões fundamentais, assim
como fazemos hoje em dia, e por vezes – como foi o caso de Sócrates – tiveram
de pagar com suas vidas. A questão da liberdade é indissociável da noção de
escolha. “Ser” livre é inicialmente “ter” a escolha. Como dizia o escritor Paulo
Coelho, a liberdade não é a ausência de compromisso, mas a liberdade de
escolha. Se a liberdade está ligada à noção de escolha, é preciso então admitir
que ela implica também a ideia de responsabilidade. Só é livre,
definitivamente, aquele que é responsável por suas escolhas…
Existem,
todavia, diversas formas de liberdade e é importante que especifiquemos aqui a
qual vamos nos referir. Existe a liberdade de direito jurídico, como aquela que
é garantida por uma Carta; há também a liberdade de agir segundo nossa própria
vontade e, finalmente, há a liberdade interior, ou livre-arbítrio, que consiste
em ser mestre de si mesmo, sem ser escravo de suas paixões, de seus desejos ou
de suas crenças limitadoras. A liberdade consiste até mesmo em poder rejeitar a
evidência e escolher o mal ao invés do bem. Como evocado mais acima, ou se é
livre ou não se é… Suponhamos que era à liberdade interior que o Grande
Mestre fazia alusão; é a esta forma de liberdade que o leitor é convidado a
refletir aqui: uma liberdade que nenhuma pessoa ou circunstância exterior pode
nos tirar e que conservaríamos mesmo no fundo da prisão mais sombria.
Alguns filósofos contemporâneos consideram que,
para pensar livremente, é preciso se desfazer de todas as ideologias que
condicionam o pensamento. É isso que pode ser chamado de “teoria da terra
queimada”, em que toda forma de herança é considerada um entrave do qual é
preciso se desvencilhar. Ter um passado, uma memória e uma origem nos torna
inaptos a exercer nossa liberdade de pensar? Ainda que pensar por si mesmo
exija um distanciamento reflexivo face aos modos, às tendências e às
ideologias, parece muito improvável que uma espécie de vacuidade de referências
possa conduzir quem quer que seja a pensar livremente. Todos os tiranos
partilharam o fantasma da imposição do seu “novo ano zero” do conhecimento
fazendo uma limpa de tudo o que precedeu sua dominação, com as consequências
desastrosas que nós conhecemos. A verdade é que nós não pensamos a partir do
vazio. Nossas construções mentais têm por matéria as aquisições prévias da
linguagem, nossas referências culturais e nossas experiências passadas cujos
traços são conscientes ou inconscientes.
Levando nossa reflexão mais adiante, poderíamos
nos perguntar se nossa herança biogenética não determina inteiramente nossos
atos. O filósofo Baruch Spinoza, em sua obra sobre a ética, enuncia da seguinte
forma a sua recusa do livre-arbítrio tal como preconizado por Descartes:
Basta-me por enquanto enunciar esse princípio com o qual todo o mundo deve
convir, a saber, que todos os homens nascem na ignorância das causas e que um
apetite universal de que eles têm consciência os leva a procurar aquilo que
lhes é útil. Uma primeira consequência desse princípio é que os homens julgam
ser livres e não pensam de forma alguma nas causas que os dispõe a desejar e a
querer. Os deterministas concluem disso que nós acreditamos agir ao passo que
“somos levados a agir” por impulsos – eles próprios oriundos de causas muitas
vezes desconhecidas e incontornáveis. Para Spinoza, Deus é a causa primeira
determinante da qual nós somos um efeito, e nossa última liberdade reside,
segundo ele, no Amor constante e eterno para com Deus; noutras palavras, no
Amor de Deus para com os homens. Essa insistência sobre a causalidade divina e
sobre o nosso status de criatura obrigada talvez tenha contribuído para a
rejeição da ideia de Deus e, por extensão, de toda forma de transcendência.
Além disso, não é a primeira vez em que o Homem se rebela contra esta sujeição.
Não foi Adão o primeiro dos insubmissos?
O
determinismo filosófico moderno rejeitou, portanto, a noção de Sentido
transcendente e se inscreve numa visão materialista da existência, repousando
sobre o acaso e a necessidade. Em seu ensaio sobre a filosofia natural da
biologia moderna, Jacques Monod, biólogo e bioquímico francês do Instituto
Pasteur de Paris e Prêmio Nobel de Medicina, proclamava: A antiga aliança foi
rompida; o homem sabe enfim que está só na imensidade indiferente do Universo,
de onde emergiu por acaso. A aparição da vida é considerada pela ciência como a
resultante de uma absurda coincidência de condições fortuitas. O Homem talvez
tenha se libertado do Pai Celeste, mas não do determinismo… Se por um lado a
questão do Sentido foi mais ou menos afastada por esse acaso todo-poderoso, por
outro a da liberdade parece se conservar ardente e irresoluta, a menos que se
considere a desesperança existencial de nossas sociedades modernas como uma
forma de lucidez libertadora. Evidentemente, não existe amor possível entre o
acaso e nós…
O
escritor satírico François Cavanna escreveu que a liberdade consiste em fazer
tudo aquilo que o comprimento da corrente permite. Esse aforismo extravagante
não está, portanto, longe de exprimir o ponto de vista dos partidários do
livre-arbítrio. A alma humana é insondável e mesmo se nossas escolhas fossem
estritamente determinadas, como pensa Spinoza, elas são o resultado de nosso
desejo de viver e de nossos recursos pessoais. Algumas influências agem de
alguma forma contra nós mesmos e outras apelam ao nosso eu mais íntimo.
Ainda
que seja exato que possamos ser influenciados por fatores que ignoramos, não
são todas as influências que entravam nossa liberdade; estas podem ir de
encontro à nossa personalidade ou, ao contrário, se harmonizar com ela. Por
exemplo, um adolescente que deve escolher sua via profissional pode ser
influenciado por seus pais em sua escolha, mas essa influência pode ser
coerente para ele, no sentido de que pode se fundir com as aspirações e os
valores desse adolescente, ou ser nefasta opondo-se a outros elementos
importantes de sua personalidade. Se tomarmos consciência daquilo que nos
influencia ou se escutarmos a nossa intuição, podemos fazer distinção entre
aquilo que está em acordo conosco e aquilo que não está.
O ato
livre não reside numa espécie de arbitragem independente das forças e das
correntes psicológicas que nos constituem, mas antes num modo de estar à escuta
de si mesmo. Podemos então escolher a quais influências vamos responder. O
filósofo contemporâneo Henri Bergson escreveu a esse respeito: Somos livres
quando os nossos atos emanam de nossa personalidade inteira, quando eles a
exprimem e quando eles têm com ela essa indefinível semelhança que às vezes se
encontra entre a obra e o artista. Estar em acordo consigo mesmo sempre suscita
apaziguamento, alegria e entusiasmo. Muitíssimos estudos em psicologia visando
compreender por que determinados indivíduos submetidos a terríveis provações encontram
os recursos necessários para resistir à adversidade convergem todas, em suas
conclusões, para a importância de se acreditar num possível domínio dos
acontecimentos, de se adotar condutas ativas para enfrentar as situações
difíceis e de se encontrar para elas um sentido que permita ser coerente
consigo mesmo. Aí está, ao que parece, o essencial da liberdade. É preciso
admitir que é mais fácil seguir o largo caminho de terra batida que leva aos
lugares comuns do que a senda estreita do autoconhecimento.
A liberdade
desde sempre tem um preço alto. Ela exige a coragem de nos destacarmos das
normas sociais para depender apenas de nosso próprio julgamento, de nos
distanciarmos talvez de pessoas que nos são nocivas ou de abandonar
determinados hábitos. É assumindo a solitude do peregrino que podemos escolher
nossa direção. A mentalidade gregária não é propícia à liberdade. Em sua obra
intitulada Metafísica, Aristóteles escreveu: Chamamos de homem livre aquele que
tem em si mesmo a razão ou finalidade de seu existir, não sendo de outrem ou
para outrem. A essa definição individualista que insiste na independência de
espírito necessária à liberdade eu acrescentaria a seguinte citação de Nelson
Mandela: Ser livre não é apenas se livrar de suas correntes; é viver de um modo
que respeite e reforce a liberdade dos outros. É na verdadeira fraternidade que
a liberdade encontra sua plena expressão e efeito…
Existe
uma grande diferença entre o fato de professar crenças e o de exprimir
convicções fundadas na experiência.
A Ordem
Rosacruz, enquanto escola de liberdade, não teria cumprido sua missão junto a
nós se devêssemos considerar os ensinamentos rosacruzes como um sistema de
pensamento dogmático no qual bastaria crer. É por essa razão que nos é pedido
que sejamos pontos de interrogação ambulantes, que questionemos e até mesmo que
duvidemos, até que tenhamos passado pela confirmação da experiência vivida. O
rosacruz é um buscador antes de ser alguém que crê e cabe a ele se exprimir
sobre as exigências da liberdade.