O castiçal
Tagil era um homem pobre. Jardineiro
ganhava a vida no trabalho diário com flores e plantas.
Certo dia, ele se dirigia para casa
quando encontrou no caminho um homem prestes a ser assaltado.
De alma nobre e ânimo valente, logo foi em socorro do desconhecido.
De alma nobre e ânimo valente, logo foi em socorro do desconhecido.
Graças à sua interferência os dois
ladrões fugiram sem causar maiores danos físicos.
Reconhecido, o quase assaltado resolveu
premiar o seu salvador. Por ser um rico mercador e possuir muitas e ricas peças,
tomou de uma caixa amarela de couro lavrado e a deu ao jardineiro.
Tagil foi rápido para casa. Mal podia
conter sua curiosidade. O que será que lhe teria dado o rico senhor?
Como a caixa pesasse ele pensou que
poderiam ser muitas moedas de prata. Ao abrir a caixa para conhecer as
preciosidades que ela devia conter, ficou desiludido. Era somente um castiçal.
Um castiçal de metal escuro e pesado.
Tagil ficou muito aborrecido. Afinal,
arriscara a vida lutando contra os salteadores da estrada e ao final, somente
ganhara aquilo. O que ele faria com um castiçal?
Convencido do desvalor do presente, ele
atirou o castiçal a um canto. Abandonado, o objeto ficou rolando pela casa.
Toda vez que o jardineiro colocava sobre ele os olhos, mais se amargurava lembrando-se
do episódio.
Como as dificuldades da vida de Tagil
se avolumassem, ele precisou sair daquela casa e foi morar em outras paragens.
Levou consigo quase tudo que possuía. Mas deixou sobre a mesa suja, o castiçal.
Afinal, era uma coisa imprestável!
Ora, aconteceu que na casa deixada por
Tagil, veio morar um músico. Descobrindo o castiçal em desleixo, teve logo a
impressão de que deveria ser uma peça curiosa. Tirou-lhe o pó e livrou-o das
manchas que o recobriam. Viu então que na base da peça havia várias figuras. Um
belo navio, que parecia vencer as ondas e uma bailarina graciosa que dava a
impressão de dançar no meio de um lindo jardim. Virando um pouco a peça,
descobriu ainda um majestoso templo com torres apontadas para o céu. E,
finalmente, um corcel negro a galopar sobre uma montanha de nuvens.
Quanta beleza! Imaginou logo o músico
que o castiçal deveria ser uma preciosidade. Tratou de mostrá-lo a várias
pessoas, até conseguir que um rico colecionador de peças raras o comprasse, por
uma fortuna incalculável.
O que nas mãos de Tagil era uma peça
inútil se transformou em uma verdadeira preciosidade aos olhos inteligentes de
Leonardo.
Quantas pessoas existem no mundo que, à
semelhança do jardineiro, possuem ao seu lado tesouros incalculáveis, mas cujos
olhos não se apercebem do que os rodeia.
A peça preciosa que Deus depositou em
nossas mãos pode ser uma esposa dedicada, uma mãe extremosa, um filho amoroso,
pais cuidadosos ou um amigo leal. Haverá tesouro maior que os afetos que
abençoam uma vida, enchendo-a de alegrias?
Malba Tahan: 'A mulher e o castiçal'